segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Sodomia e possessão




Chove lá fora, há uma paisagem de beleza monocromática e enlouquecedora, palavras perdem-se na escuridão, à essa altura, já não fazem o menor sentido. Ela sente-se tão só... perdida em meio à uma imensidão de pequenos delírios e vozes que não querem cessar (elas assustam). Há cartas espalhadas pelo chão, todas repletas de falsas juras de amor eterno e molhadas com o sangue do ódio. Imensa é a tortura que essas frases lhe provocam, e maior ainda é a dor da solidão. Malditos, como podem ser tão cruéis?
Ela está em pedaços, você não pode ver? Cegada pela raiva, profana pragas à todos que um dia machucaram-na, deseja com todas as forças que eles a deixem em paz, mas sabe que jamais a deixarão. Quando tudo vai acabar? Tome mais uma dose, isso ajuda a entorpecer; faça mais alguns cortes, isso ajuda a aliviar. Seus braços doem enquanto Ela afunda a faca na pele macia, o sangue vem imediatamente, e seu vestido, antes de um branco impecável, agora é vermelho-morte, uma cor que Ela jamais esquecerá.
O vento sopra melodias fúnebres, e invade o quarto com todo o seu frescor putrefato, um anjo negro vem a seu encontro. Antigas memórias retornam à sua mente, agora Ela lembra de quando era criança: nascida no berço da discórdia, rejeitada pelos únicos que deveriam lhe amar, então chorou. Um pranto amargo e constante abortou de sua alma todas as formas de amor, até conhecê-lo. Sedutor, levou-a ao pecado da luxúria. Ela, doce meretriz, entregou-se às suas promessas. (sodomia e possessão) Até o dia em que a lua, cheia e inquietante, observou do alto o rompimento, a partida daquele arcanjo sedutor, cujos olhos denunciavam a crueldade com a qual abandonou-a, fugiu para não mais voltar.
Mais uma vez apunhalada, seu sofrimento era imenso. Jurou de morte aquele homem, e se ainda existe algum deus, ele deve saber quantas vezes Ela arquitetou planos maquiavélicos à espera de um reencontro. Orava à Nêmesis¹ em ato de desespero, mas sabia que aquilo não poderia ajudar, via o demônio ao lembrar-se Dele e enojava-se ao tocar o próprio corpo, impregnado de pecados e sodomia.
Um anjo negro vinha a seu encontro. Tomada de fúria e em ato de desespero, caminhou até a janela, deixando pelo chão um rastro de sangue, soltando pelo ar o doce perfume da morte. As coisas ficariam bem, sabia perfeitamente disso. Pôs lentamente os pés no parapeito, ficou em pé, agarrada nas laterais e olhou para baixo. Alguns carros passavam na rua, haviam pessoas conversando alegremente (como eram cruéis os risos sinceros daquelas pobres almas...). Inspirou o ar da noite enquanto lágrimas percorriam sua face. Entorpecida por doses de absinto, sentia-se um pouco zonza, mas não pretendia desistir como das outras vezes, dessa vez não fracassaria. Os carros passaram e já não haviam mais pessoas naquela rua, a chuva cessara.Pediu perdão à um deus, no qual nem sequer acreditava; com um longo suspiro, atirou-se, o chão aproximava-se rapidamente, até que então, não pôde ver mais nada. Espatifada em uma calçada, tudo estava terminado. (Ou não, o destino é cruel demais.)
Ele vinha pela calçada, com um buquê de rosas vermelhas em uma das mãos e uma garrafa de whisky barato na outra. Pensava em pedir perdão para aquela devassa meretriz, que de certa forma, havia conquistado o seu amor. Anos se passaram, mas a imagem Dela não abandonava sua mente nem sequer por um segundo, em seus sonhos podia tê-la para si. (sodomia e possessão) Arrependeu-se por ter partido e A deixado para trás (que deus o perdoasse por tamanha estupidez). Se ao menos pudesse voltar atrás, tudo teria sido diferente, Ele sabia o quanto eram felizes em meio à todos os pesares, e desejava mais que tudo possuí-la novamente. Olhou para frente e viu algo caindo lá de cima, apressou os passos ao ver aquele corpo esticado mais adiante, e o pânico tomava conta de seu corpo conforme ia se aproximando. Sangue, havia muito sangue espalhado, Ele não queria acreditar no que via, será que era simples imaginação? Não, sabia que não era. Estava lúcido, apesar de algumas doses de whisky. Foi quando, num estalo de sensatez, pôde perceber o que estava acontecendo. (Suicídio) Sim, era Ela, deusa da luxúria, sua eterna amada, morta, ali, bem na sua frente. Estava desolado, em meio ao desespero, chorava de ódio e gritava.
Seu corpo agora era puro medo, tremia demais, o coração batendo descompassado. Com a lua iluminando sua face aterrorizada, quebrou a garrafa de whisky, fez cortes profundos nos próprios pulsos. Cobriu-a com pétalas de rosas (rosas vermelhas para a prostituta de satã²) Misturou seu sangue no Dela, numa espécie de pacto satânico e deitou-se ao Seu lado.
Que os deuses tenham pena dessas pobres almas enamoradas! Ao amanhecer, estarão unidos eternamente, no céu ou nas profundezas do inferno, em qualquer lugar onde possam amar-se para sempre.



¹ Nêmesis é a deusa grega da vingança e do castigo.
² Alusão ao título de uma música do Cradle of Filth: A Gothic Romance (Red Roses For The Devil's Whore)

6 comentários:

- niny lowery :P disse...

AMEI ESSE! fraan king :o ? ehaiuheia. obrigada ,também me orgulho de ti meu amor!

Di' stante Enfim disse...

Nêmesis também significa "inimigo" em grego. Sinto que encontrei uma legítima discípula de Poe rs. É estranho...Estranhamente encantador diria:)

Anônimo disse...

Nossa, é um daqueles textos que nos deixa alguns minutos sem ar de resposta.

Adoro o modo como você nos leva até a cena, me senti uma daquelas pessoas na calçada sorrindo e de longe, observando o belo senhor cortar-se com uma garrafa de wisk, deitando-se ao lado da jovem. "Ela" que acabará de pular da janela do apartamento em frente.

Acabar com tudo é um ato corajoso e covarde ao mesmo tempo.


Adorei o texto Fran, de verdade.

Parabéns.

Anônimo disse...

Uau. Parabéns pelo texto, Fran.
Se você pretende ser uma escritora gótica já está no caminho, moça!

Beijos

perdido disse...

muito interessante seu blog...gostei do estilo descritivo que tem qdo narra suas histórias...e o visual monocromático é muito estiloso...

enfim...encontrei o blog por acaso e deu vontade de comentar...

até...

- niny lowery :P disse...

ah, obrigada. apesar de eu discordar!
e reforço minha opinião sobre fraan king :)