Estava frio lá fora, frio demais para aquela estação. Andava apressadamente, olhando para baixo e tentando afastar qualquer lembrança teimosa que insistisse em rondar Sua mente, uma tarefa demasiadamente difícil à essa altura. Pretendia andar mais dois quarteirões, até chegar à casa de sua amiga, Katarina. Haviam muitas pessoas na rua, e parecia que todas encaravam-na, como se soubessem de algo a mais; algo que nem Ela seria capaz de decifrar.
Acendeu um cigarro e seguiu pela rua, perdida em Seus pensamentos. Sem querer, acabou tropeçando em um homem que estava à Sua frente.
-Cuidado, moça. - disse ele, nada zangado.
-Perdão, eu estava distraída, pensando demais. - respondeu olhando para baixo.
Elizabeth ia continuar Seu caminho, quando foi interrompida por tais palavras:
- Pensar é bom, mas tome cuidado, talvez alguém possa ler seus pensamentos. - ele agora ria, um riso perverso, assustador.
Tomada de pânico, Ela correu sem olhar para trás. Era impossível evitar que as lágrimas rolassem em Seu rosto, mal podia acreditar no que estava acontecendo. Chegou rapidamente ao seu destino, tocava a campainha desesperadamente, até que fora atendida. Katarina ainda estava de pijama, olhou para a amiga e aterrorizada, exclamou:
- Por Deus Beth, o que é isso? Você está horrível, o que aconteceu?
- As pessoas Kat, o homem, todos sabem, e risos, haviam risos; eu tive medo. Ele era real, tudo isso é real, mas eu não posso acreditar, eles, não sei, me ajuda Sam, me ajuda! - Elizabeth estava com os olhos esbugalhados, chorava sem parar.
-Entre, eu vou fazer um café, aí você me explica com calma, pode ser?
Elas entraram na pequena casa, Kat conduziu a amiga até o sofá e foi preparar o café. Voltou em seguida, com duas xícaras cheias, entregou uma para Elizabeth e ficou com a outra. Calmamente, perguntou:
- Será que agora pode me explicar o que diabos está acontecendo? Sabe, eu fico preocupada, você some por dias, me dizem que o Thomas terminou contigo, e agora você aparece aqui, nesse estado! Vamos, acalme-se e me conte tudo.
Ela tentou explicar da melhor forma possível. Falou do encontro da noite anterior, do bilhete escrito à nanquim e do homem que lhe disse aquelas palavras assustadoras na rua. A amiga observava-a incrédula, e por fim disse:
- Olha, você está muito abalada Beth. Será que isso não foi apenas, sei lá, um sonho? Você tem se drogado demais nesses últimos dias, e bebido muito também. Vai ver é apenas um... delírio.
- Não, não, droga! Será que você não entende? Eu "tô" legal, sei muito bem do que estou falando. Tenho muito medo do que pode acontecer! Se nem você, que é minha melhor amiga, acredita em mim, então não sei mais em quem confiar.
- Tudo bem, você pode confiar em mim. Mas veja bem, alguém bate na minha porta, quando eu vou abrir, vejo você, com os olhos esbugalhados e sem parar de chorar, aí você entra e me conta essa história extraordinária, quer que eu pense o que?
- Eu sei Kat, é estranho, também demorei pra acreditar, mas é real. Seja lá o que for isso, é real.
- Por que você não fica aqui esta noite? Se quiser, pode ficar vários dias. Quero te ver bem de novo, você está muito abalada. Sei que o fim do namoro te deixou acabada, você ainda ama o Thom, mas tenta superar poxa.
- O Thomas é o de menos, quero que ele se dane! No momento, sei que tenho coisas muito mais importantes para me preocupar. E acredite, isto será aterrorizante.
(E seria mesmo...)
As duas decidiram assistir alguns filmes e clipes, desse modo, a tarde passaria rapidamente, e elas poderiam esquecer do que as perturbava. Eram amigas há tempo suficiente para criarem elos realmente fortes, e a confiança que havia entre elas era de um tamanho inimaginável. Sempre estiveram juntas, nos momentos bons e ruins, partilhando suas alegrias, tristezas e também seus baseados. Às vezes parecia que elas se conheciam há muito mais tempo. Se acreditassem em reencarnação, provavelmente Beth e Kat diriam que conheciam-se de outras vidas.
As horas passaram-se de forma rápida, quando perceberam, a noite havia chegado. Kat subiu ao segundo andar do sobrado, e chamou a amiga para ver o quão linda estava a lua naquela noite. Beth estava mais calma agora, Katarina até brincou com Ela:
- Olha, se isso fosse um filme de terror, esse luar seria um cenário realmente assustador.
Ela entrou na brincadeira, e disse:
- Com toda a certeza. Acho melhor irmos para dentro, antes que os monstros noturnos venham à nosso encontro.
Foi difícil controlar a crise de riso. Estavam animadas, resolveram fazer uma pizza no jantar. Em meio aos preparativos, Beth sentiu uma tontura e acabou quase caindo. Katarina correu em Sua direção, dizendo:
- Você está bem? Sente-se um pouco.
- Calma, foi só uma tontura. Deve ser ressaca, vou ao banheiro lavar o rosto, voltarei em breve. - disse isso e foi levantando-se.
Quando chegou ao banheiro, ainda sentia-se zonza. Ligou a torneira e abaixou-se para molhar a face. Porém, de súbito, a porta do banheiro bateu com toda a força, Elizabeth, assustada, tentou abrí-la, em vão. Ela tentou gritar, mas foi inútil, Sua voz não saía. De repente, a água, que antes corria límpida, foi tomando uma tonalidade avermelhada, cada vez mais forte. Katarina, que ouvira o estrondo da porta, veio correndo ao encontro da amiga.
- Beth, o que está acontecendo? Abre essa porta, agora!
- A porta não abre Kat, me ajuda, tem... SANGUE saindo da torneira, eu quero sair daqui! - Ela chorava impulsivamente.
- Mas como trancada? Essa porra nem tem chave! - Kat estava apavorada, e podia sentir o desespero da amiga.
Vozes começaram a surgir, eram milhares, elas diziam em uníssono:
- Sangre conosco, Elizabeth. Todos nós sangramos, venha sangrar você também. Cuide-se, nós sabemos o que você pensa, sangre um pouco, sangre conosco!
Cortes começaram a abrir-se pelo corpo Dela, o sangue escorria em sua pele branca. Coisas começaram a quebrar-se pela casa inteira, aquelas vozes eram ensurdecedoras. Kat e Beth gritavam histericamente.
- Você não gosta de sangue Elizabeth? Banhe-se nele, assim como nós nos banhamos. Sangre conosco, Elizabeth.
Os risos começaram, eram milhares, riam intercaladamente. Da mesma forma que começaram, as vozes, o sangue e os risos foram terminando. A água voltou a correr límpida, a porta destrancou-se, assim, Katarina pôde entrar. Correu até onde Beth estava deitada, completamente ensanguentada, descomposta. Abraçaram-se longamente.
- Eu... eu disse que era real, isso é real, agora você compreende, Kat?
- Mas.. porquê? Qual é o motivo de tudo isso Beth? Porquê conosco? Porra! Eu tô com medo, nós temos que ir para algum lugar, onde estejamos seguras.
- A partir de agora, nenhum lugar será seguro. Você sabe disso tão bem quanto eu, e não temos como fugir, não temos para onde correr. Nada mais será como antes...
Permaneceram chorando abraçadas no chão ensangüentado daquele banheiro, por incontáveis horas. Quando conseguiram recuperar a calma e o juízo, os primeiros raios de sol invadiam aquele ambiente. Um novo dia estava começando, e a possibilidade de que ele fosse mais sombrio do que o anterior, aterrorizava-as. Mas algo lhes dizia que nada aconteceria enquanto o sol pudesse iluminar-lhes: esses delírios são nocturnos.
[continua...]
Um comentário:
fran, muito bom o texto :)
já pensou em escrever um livro?
beijos :*
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