domingo, 15 de fevereiro de 2009

Antiga Fábula Moderna


Era uma vez um mundo em preto & branco, onde não haviam cores nem tons. As montanhas erguiam-se imponentes com suas sombras, e as pessoas observavam o sol se por em total breu, após nascer em alva brancura. Não haviam diferenças nem contrastes, todos eram iguais em suas formações bicolores, e encontravam-se mais felizes do que pudessem admitir.

Em um dia iluminado pelo céu cândido de nuvens pretas, uma menina andava a sós com suas brincadeiras, quando notou algo diferente: acima de si, onde terminava o arco-íris monocromático, cintilavam fagulhas de algo novo, tão inusitado que encheu-a de uma incontrolável felicidade infantil. Eram as cores.

Aproximando-se, de modo lento e cuidadoso, sentou-se para admirar aquela beleza, e de tão linda que era sua descoberta, resolveu tocá-la. No exato momento em que sua mão chegou ao encontro dos pequenos pontos coloridos, ocorreu algo deliciosamente assustador: as cores a envolveram, abraçaram-na de corpo e alma, até ela ficar tingida por completo. Ah, que sensação maravilhosa, pensou a garota, que apressou-se depressa em coletar nas mãos o máximo possível daquilo, para que pudesse dividir com o resto dos outros.

Voltando para casa, todos a encaravam assustados, querendo saber o que significava aquilo. Seria ela uma deusa? Não, respondeu a menina para a multidão que a cercava, é apenas o milagre das cores. E todos vieram para tingir-se também.

Não demorou muito para que a notícia se espalhasse, e pessoas do mundo inteiro viessem ver, participar daquela magia. Logo o céu, o mar, as florestas e os animais também foram pintados, como que por um pintor talentoso, e o planeta inteiro era furta cor. Vermelhos, amarelos, laranjas e azuis espalharam-se pela terra em uma velocidade estonteante, sendo que, pouco tempo depois, nada havia a ser tingido.

Com tantas belas cores espalhadas pelo mundo, logo as pessoas começaram a entrar em discussão: os amarelos queriam ser vermelhos, os vermelhos queriam ser verdes. Cada um queria ser mais colorido que o outro. Se um tinha a cor mais brilhante, o outro queria ter também, e indagavam-se o por quê de tamanha injustiça. Logo vieram as guerras, os países desbotados queriam conquistar novos tons, e os mais coloridos defendiam-se com unhas e dentes.

A menina, agora mundialmente conhecida, ouvia todos os dias as constantes reclamações, e o burburinho de uma revolução iminente. Ela era muito pequena para entender como o mundo funcionava, dizia sua mãe. As cores sempre foram perigosas, rebatia seu pai, éramos mais felizes antes delas. E a pobre da garota já não podia aguentar mais, o mundo caminhava em marcha acelerada para a destruição, já não suportava mais ver aquilo, embora não encontrasse nenhuma solução visível. O que fazer? - indagava-se. Subiu ao sótão, onde sua mãe guardava as velharias, encontrando em seguida o que queria. Aproximou-se do espelho, observando pela última vez suas tonalidades vivas, e sorriu, com a certeza de estar fazendo o certo.

Na calada da noite, pegou algumas roupas e saiu para caminhar, rumo à montanha mais alta. Chegando ao topo observou novamente o mundo, que ela havia ajudado a colorir, e que encarregava-se por si próprio do extermínio. Não conseguia mais sorrir. Assim, ergueu o pequeno embrulho de seda branco logo acima da cabeça. Sem demora as fagulhas pretas e brancas a envolveram, devolvendo-na a antiga ausência de cor.

Dali em diante, ela pintou tudo a sua volta de preto e branco, mergulhou-se na monocromia e na solidão, e o mundo novamente tornou-se um lugar feliz.

6 comentários:

//Joss® disse...

As pessoas nunca estão felizes com o que possuem!
Bonito texto! =)

Anônimo disse...

.. Espero que você atualize em breve. Li todo o seu blog e o Delírios Nocturnos, achei que a sua escrita são dedos na alma, ora enregelantes, ora ferventes. Você deixa marcas em quem lê. =)

Camila. disse...

Encantador - e palpável, infelizmente.

anaa ' disse...

Adorei o post.
você escreve muuuito bem *-*
as pessoas sempre querem ter mais do que as outras, e acaba nisso mesmo, guerras, brigas...

Anônimo disse...

Aquilo que provavelmente você sentiu enquanto escrevia o texto deve ser o mesmo que quem leu sentiu, inclusive eu. Demais!

//Joss® disse...

Atualiza?!